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Palanque particular, verba pública: o alerta do STJ

Fachada-do-STJ

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O recado do Superior Tribunal de Justiça foi seco e necessário, a internet não é terra sem lei nem palanque institucional disfarçado. Ao autorizar o prosseguimento da ação de improbidade contra João Doria por uso de imagens publicitárias do programa “Asfalto Novo” em suas redes pessoais, a Segunda Turma do STJ sinalizou que a fronteira entre comunicação institucional e autopromoção já não pode ser borrada à vontade por gestores públicos.

A decisão tem razão de ser. Não é só uma questão de etiqueta política, é princípio constitucional. O problema concreto ali foi composto por três elementos combinados, (1) conteúdo claramente publicitário do programa, (2) a veiculação em perfis pessoais do gestor e (3) indícios de que verba pública e estrutura administrativa foram empregados para produzir e impulsionar esse conteúdo. Para o Tribunal, essa convergência foi suficiente para deixar evidente o risco de promoção pessoal e o desvio de finalidade do gasto público.

O alerta não é exclusivo para quem já ocupa holofotes nacionais. Prefeitos, secretários e agentes municipais aprendem, com esta jurisprudência em formação, que postar foto de pavimentação, inauguração ou ônibus novo em perfil pessoal pode deixar de ser “comunicação” para virar “campanha”. A Associação Mineira de Municípios (AMM) e outras entidades já se debruçam sobre orientações práticas para gestores, justamente para evitar que o aparato público seja transformado em ferramenta de marketing pessoal. Em resumo, contas pessoais não são um “canal oficial” meramente por conveniência.

A crítica que cabe ao mundo político é dupla. Primeiro, a hipocrisia procedural, durante anos a máquina pública foi adaptada para alimentar narrativas de gestão, relatórios, postagens, vídeos, outdoors, muitas vezes com critérios tão flexíveis que viravam propaganda direta do governante. Agora que o Judiciário começa a apertar a rédea, reclama-se que “não se pode proibir” a divulgação de ações públicas. Precisamos romper com essa falsa dicotomia, informar a população é dever do gestor, transformar o contribuinte em produtor de conteúdo para engrandecer o mandatário é improbidade.

Segundo, há um custo democrático e fiscal nisso tudo. Quando recursos públicos, dinheiro, servidores, contratos de mídia, são usados para fins que beneficiam a imagem pessoal, duas coisas ocorrem, os serviços reais perdem prioridade e a confiança pública se corrói. O cidadão que paga impostos tem o direito de ver aqueles recursos usados para obras, políticas públicas e serviços, não para turbinar a carreira eleitoral de quem ocupa um gabinete. E juridicamente isso é grave, além da improbidade, há risco de responsabilizações administrativas e até criminais se ficar demonstrado o desvio de finalidade.

Há argumentos, claro, de que o gestor tem direito à liberdade de expressão e que redes pessoais servem para comunicação direta com eleitores. Mas a liberdade de expressão não é um salvo-conduto para converter função pública em palco privado. O equilíbrio que a Constituição exige passa pela impessoalidade, não usar o cargo para vantagens pessoais, moralidade e publicidade, esta última entendida como transparência institucional, não como marketing de celebridade. A linha é fina, mas o STJ mostrou que ela existe, e que pode ter consequências reais quando cruzada.

Por fim, uma advertência prática, gestores e equipes de comunicação precisam urgentemente de protocolos claros. Quem administra uma prefeitura ou uma secretaria não pode improvisar formato e finalidade de conteúdo. Contratos de publicidade devem explicitar escopo, faturamento e justificativa técnica, servidores não podem ser deslocados para gerir perfis pessoais, e, em caso de uso de verba institucional, a postagem deve sair por canais oficiais, com linguagem informativa, sem apelo pessoal. O resto é sinal de má governança, e, como o STJ sinalizou, terreno fértil para ações judiciais.

A política pública decente não precisa de backstage publicitário, precisa de resultados, clareza e respeito aos princípios que regem a coisa pública.

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