Empréstimo de R$ 756 milhões, herança com juros altos e a guerra de vídeos entre ex e atual prefeito, quem realmente levou a ultrapassagem?
Quando Márcio Corrêa levou à Câmara Municipal o projeto para renegociar a dívida deixada pela gestão de Roberto Naves, ninguém imaginava que a sessão iria funcionar como uma volta final de Fórmula 1, com ultrapassagem, contra-ultrapassagem e muita fumaça no ar. O objeto em disputa é objetivo e pesado: autorização para refinanciar cerca de R$ 756 milhões em empréstimos contraídos na administração anterior, com a justificativa oficial de melhorar prazos, obter carência e reduzir o custo dos juros.
Mas a pergunta que corre pelos corredores da prefeitura, pelos grupos de WhatsApp e pelas mesas de bar é simples e venenosa: Márcio Corrêa conseguiu dar o “X”? Na gíria das pistas, dar o X é aquela ultrapassagem que parece definitiva, só que, em frações, quem parecia ter a vantagem é de novo engolido pela manobra do adversário. Em política, o “X” tem formato diferente: aprovação de um projeto que promete salvar a cidade do aperto, mas que também pode ser visto como aceitar um freio de arrumação num carro que capotou nas mãos do antecessor.
O empréstimo: remédio ou band-aid para pepino alheio?
A narrativa oficial é técnica e, à primeira leitura, razoável. Não se trata de contrair nova dívida para gasto corrente, mas de renegociar a dívida já existente, alongando prazos e buscando taxas melhores. Em outras palavras, trocar o sapato apertado por um tênis maior. Ainda assim, críticos lembram que o problema é o volume e a origem: o empréstimo anterior foi contraído em condições que muitos qualificam como desfavoráveis, com juros elevados e parcelas que, ironicamente, começariam a cair justamente no início da gestão de Corrêa. A promessa do refinanciamento é, portanto, amortizar esse presente de grego sem que a conta vire rompante fiscal no mandato atual.
Os números oficiais do relatório de transição e das contas mostram um cenário nada confortável, com resultado primário negativo e amortizações que comprometeram o fluxo de caixa do município no último quadrimestre de 2024. O rombo orçamentário não é abstrato, ele se reflete em serviços, ambulâncias, obras paradas e programas que perderam ritmo.
Política ou administração? O X entre técnica e espetáculo
Dizer que o projeto é puramente técnico é reduzir o debate. Trata-se também de escolha política. Aceitar alongar a dívida é reconhecer que o débito herdado merece solução coletiva, o que exige do atual prefeito capacidade de negociação e, sobretudo, pulso político com a Câmara.
Se a negociação realmente reduzir juros e criar carência, pode ser classificada como boa administração fiscal. Se, porém, for apenas um remanejamento que posterga a dor sem desembaraçar a causa, contratos mal feitos, obras mal orçadas, desvios de prioridades, então o “X” pode ser apenas um truque de pista, aquele em que o rival passa, festeja e, logo adiante, volta a ver a traseira do outro no próximo trecho.
A guerra de palavras: “quadrilha” vs. “quem são os seus?”
A disputa tomou um tom pessoal e cinematográfico quando Márcio Corrêa afirmou, em discurso público, que a cidade havia sido “comandada por uma quadrilha” na gestão anterior. A pecha, de efeito imediato, foi rebatida com força por Roberto Naves, que publicou vídeo no qual pergunta ao atual prefeito se a “quadrilha” a que se refere inclui justamente pessoas que hoje ocupam cargos na prefeitura de Corrêa.
Foi uma reversão de acusações que transformou a ofensiva em reflexo em cadeia. Em minutos, a pelada política virou troca de acusações públicas e vídeos com cortes potentes, ambos tentando sedimentar uma narrativa: um tentando limpar a imagem, outro defendendo o legado.
Aqui a política volta a parecer corrida de carros. As críticas de Corrêa à gestão anterior tentam justificar a necessidade do refinanciamento. A resposta de Naves, por sua vez, tenta colocar pressão: “se há quadrilha, ela integra a nova administração?”.
O efeito nas urnas não interessa agora, o que interessa é o possível desgaste institucional e a erosão de confiança pública enquanto se discutem juros, prazos e, sobretudo, responsabilidades.
O que está em jogo na prática
Serviço público: alongar e reduzir o custo da dívida pode liberar caixa para saúde, educação e manutenção, ou apenas mascarar um buraco maior se não vierem ajustes na gestão de despesas.
Transparência e auditoria: a população tem o direito de saber exatamente como foi negociado o empréstimo anterior, quais garantias foram dadas e por que as parcelas ficaram tão altas a ponto de comprometer um novo governo. Sem isso, o refinanciamento vira um ato técnico sem base pública de confiança.
Jogo político: aprovar o projeto e justificar o “remendo” é vitória administrativa para Corrêa, mas também dá munição para Naves mostrar que não foi só “herança ruim”. Há acusações cruzadas de má gestão e, em algumas frentes, de desvio de prioridades.
Quem deu o X?
Se a pista for apenas a aprovação do projeto, Márcio Corrêa conseguiu um ponto: obteve a autorização para renegociar R$ 756 milhões e apresentou o argumento técnico de que isso melhorará o custo da dívida.
Mas se o critério for o resultado final: juros menores, carência que permita fôlego fiscal e, acima de tudo, um diagnóstico claro e público sobre o que aconteceu no empréstimo anterior, então ainda não dá para festejar a ultrapassagem.
O X pela metade é apenas a primeira manobra. A volta inteira depende das curvas seguintes: negociação com instituições financeiras, transparência na prestação de contas e capacidade de, finalmente, transformar o “presente de grego” em solução palpável para o cidadão.
Enquanto isso, pela plateia, a guerra de vídeos segue, com acusações, respostas e recados, política com muito gás no acelerador e pouca sinalização nas curvas. No fim, o eleitor é quem sente o desgaste e espera que a manobra no asfalto se traduza em menos juros, mais serviços e menos trocas de farpas.
Até lá, o “X” segue pendente: bonito na narrativa, incerto na prática.



