O caso ocorrido em uma sorveteria de Anápolis, no último fim de semana, continua gerando inquietação. Um homem embriagado foi morto com uma facada no pescoço após uma discussão com um empresário. Segundo informações, o conflito começou quando a vítima teria feito comentários ofensivos à esposa do agressor e, em seguida, chutado a caminhonete do casal, estacionada em frente ao local.
O empresário alegou legítima defesa, mas a pergunta que precisa ser feita é: como esse argumento se sustenta diante das circunstâncias?
A cena, tal como descrita, não mostra uma ameaça direta à integridade física do agressor no momento do golpe. A vítima, embora alterada e desrespeitosa, estava desarmada. E o ato do agressor, ir imediatamente até a caminhonete, pegar uma faca e voltar para aplicar um golpe fatal no pescoço, sugere uma reação motivada por raiva, não por risco de vida.
Legítima defesa, pela definição legal, exige que haja inevitabilidade do conflito, proporcionalidade da reação e ameaça real e atual. É preciso que o agressor se veja sem outra saída, sem tempo para refletir, agindo no instinto de autopreservação. É isso que vimos aqui?
Ou será que testemunhamos um caso em que a honra ofendida e o impulso falaram mais alto que a razão?
É possível, e necessário, condenar o comportamento da vítima, que agiu de forma agressiva e inapropriada. Mas transformar essa provocação em justificativa para um golpe fatal no pescoço é algo que não pode ser normalizado com o rótulo de legítima defesa.
Aceitar essa narrativa seria abrir um precedente perigoso, o de que qualquer ofensa ou dano ao patrimônio pode ser respondido com violência letal, sem que haja real ameaça à vida.
A pergunta que fica para a Justiça, e para a sociedade, é:
Estamos realmente diante de um caso de defesa da vida, ou de alguém que decidiu punir com as próprias mãos, de forma imediata e irreversível?
A resposta a essa pergunta não devolve a vida perdida, mas define até onde vai a fronteira entre defesa e execução. E essa linha, se for apagada, coloca todos nós em risco.



