Com mais de dois anos de antecedência, os grupos políticos já estão em movimento, formando alianças, ensaiando discursos e, principalmente, disputando a versão dos fatos que chegará ao eleitor. Mas, por trás dessa antecipação, o que vemos não é apenas o início de uma corrida eleitoral, e sim uma guerra por sentidos, versões e “verdades”.
Vale lembrar de Umberto Eco. O escritor e semiólogo italiano nos ensinou que a verdade, na maioria das vezes, não é descoberta, mas construída. E mais, é manipulada, disputada e recontada de acordo com os interesses de quem a narra.
O poder da narrativa
Umberto Eco jamais subestimou o poder das palavras. Para ele, quem controla os signos, as palavras, os símbolos, as imagens, controla a percepção da realidade. A verdade, portanto, não se impõe sozinha. Ela precisa ser contada, reconhecida e aceita. Isso a torna vulnerável a distorções, intencionalidades e interesses políticos.
No Brasil polarizado de hoje, cada campo político constrói sua própria versão da realidade. A economia vai bem ou vai mal? O governo é responsável ou autoritário? A democracia está sendo fortalecida ou ameaçada? Depende de quem fala, de onde fala e para quem fala.
Não há mais consenso mínimo, há versões. E versões moldam emoções.
Quando o discurso vale mais que o fato
Eco observou, com certo ceticismo, como os meios de comunicação e, mais tarde, as redes sociais passaram a substituir o debate racional pela multiplicação de vozes, muitas delas desinformadas, outras mal-intencionadas. Ele não era contra a democratização da fala, mas via com preocupação a erosão dos filtros de autoridade e credibilidade.
Hoje, qualquer um com um celular pode construir “sua verdade”. E quando todos têm uma, ninguém mais tem nenhuma.
É esse o cenário que se desenha no Brasil atual. A eleição de 2026 ainda está distante no calendário, mas os discursos já estão no ar, circulando em vídeos curtos, frases de efeito, fake news bem embaladas e análises enviesadas. A lógica é simples, conquistar corações e curtidas, não mentes informadas.
A verdade virou território
A disputa eleitoral se tornou uma disputa por território simbólico. Cada grupo político tenta se firmar como o dono da verdade. O problema é que, ao transformar a verdade em bandeira, o debate se torna guerra. O diálogo cede lugar ao confronto, a escuta dá lugar à hostilidade, e o contraditório vira traição.
Eco chamava isso de “excesso de interpretação”, quando o sentido original se dissolve nas múltiplas leituras forçadas. No Brasil de hoje, esse excesso é o que alimenta a polarização. Já não se busca compreender o outro lado, apenas anulá-lo.
Rumo a 2026, com menos razão e mais ruído
O país se aproxima de mais uma eleição crucial, mas o ambiente é de pouca reflexão e muito barulho. A política virou espetáculo permanente. Os argumentos perderam espaço para os algoritmos. O debate público se tornou território de batalha entre verdades fabricadas.
Umberto Eco nos oferece, nesse caos, uma bússola, é preciso voltar a interpretar com cuidado. Não apenas as palavras dos outros, mas as nossas também. É necessário desconfiar das verdades que chegam prontas demais, dos discursos que apelam mais ao medo do que à razão, e das certezas que dispensam qualquer diálogo.



